Eis o conselho com base na nova acusação da ciência contra o excesso
de gordura, sobretudo abdominal. Enxugá-la amplia a defesa diante de asma,
bronquite, pneumonia...
Dentro dos tribunais médicos, nenhuma condição coleciona tantas denúncias
como a de ficar acima do peso. A obesidade ganhou status de doença epidêmica e
já foi incriminada como coautora de males que vão de infartos e derrames a
tumores. Agora, surgem provas que condenam de vez os quilos a mais por sua
ligação com o comprometimento do aparelho respiratório. O acúmulo de gordura,
especialmente a que se aloja no ventre, atrapalha a atividade dos pulmões,
agravando quadros bastante comuns, como asma, bronquite crônica e até pneumonia
— uma das principais causas de internação no Brasil, independentemente do peso.
As últimas evidências desse elo vêm de um trabalho recém-concluído na
Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, que avaliou o impacto da gordura
abdominal sobre a função pulmonar de 80 mulheres sem sintomas de problemas
respiratórios — só 30% delas eram magras; a maioria se encontrava acima do peso.
“As voluntárias obesas tinham uma menor capacidade de expansão dos pulmões e um
menor volume de reserva respiratória, ou seja, quando elas expiravam, esses
órgãos ficavam com uma quantidade inferior de ar”, resume os achados o
pneumologista Roberto Stirbulov, presidente da Sociedade Brasileira de
Pneumologia e Tisiologia e orientador do estudo.
Em termos práticos,
isso não significa apenas menos gás para subir uma escada ou praticar um
esporte, algo vivenciado por qualquer gordinho sedentário. “Se já houver algum
problema nos pulmões, o excesso de gordura tende a potencializálo”, aponta
Stirbulov. E, seguindo essa lógica, ficaria mais difícil se recuperar e
preservar o fôlego e a qualidade de vida.
A barriga pressiona
literalmente os órgãos que regem o sistema respiratório. “O excesso de gordura
no abdômen eleva o diafragma, o músculo da respiração, e aperta a caixa
torácica. Com isso, diminui a reserva de oxigênio destinada às situações de
maior desgaste”, explica o pneumologista Mauro Gomes, do Hospital Samaritano de
São Paulo. Quem sofre mais é a base dos pulmões, que fica hipoventilada. “Essas
áreas que permanecem com menos ar são mais suscetíveis a infecções”, diz
Stirbulov. Aí, se uma pneumonia dá as caras, a probabilidade de ela progredir é
bem maior.
O cenário fica preocupante para as vias aéreas se levarmos em
conta que, de quebra, os quilos indesejados abalam nosso escudo natural contra
vírus e bactérias. “Já está comprovado que a obesidade enfraquece o sistema
imune, contribuindo, assim, para as infecções respiratórias”, afirma a
endocrinologista Claudia Cozer, da Associação Brasileira para o Estudo da
Obesidade e da Síndrome Metabólica. E a gordura na linha da cintura exerce uma
participação ainda mais maléfica. É que o tecido adiposo no interior do abdômen
libera substâncias que incentivam processos inflamatórios. Esse fenômeno não só
deprime as defesas como tem repercussões diretas na árvore respiratória. Quando
já há uma inflamação nesses domínios — situação típica da asma, da bronquite e
da doença pulmonar obstrutiva crônica, a DPOC —, as moléculas fabricadas pela
barriga lançam mais lenha no incêndio, aumentando a frequência, por exemplo, de
crises de falta de ar.
“O obeso carrega mais substâncias inflamatórias e
elas têm uma ação tanto sistêmica como local”, diz o educador físico e
epidemiologista Clóvis Arlindo de Sousa, doutor pela Faculdade de Saúde Pública
da Universidade de São Paulo. “Sabemos que uma das principais moléculas
envolvidas com a inflamação na asma é produzida pelas células de gordura”,
completa. Não é que os quilos a mais levem a esse distúrbio, mas, sim, um
indício de que eles podem torná-lo mais grave e resistente aos tratamentos.
Sousa analisou recentemente, em um levantamento com 1 185 crianças e
adolescentes da cidade de São Paulo, quais são os fatores relacionados à
ocorrência de doenças respiratórias. Adivinhe quem está nessa lista. É claro, a
obesidade, que não financia confusão apenas no território pulmonar. “O dado mais
surpreendente do estudo foi a associação entre excesso de peso e sinusite”,
revela o pesquisador.
Como será que a gordura de sobra contribuiria para
seios nasais congestionados e irritados? Há possíveis explicações, como o
próprio estado de inflamação instaurado pela obesidade. “Também pensamos em uma
ligação com o refluxo gastroesofágico, problema de maior propensão entre
indivíduos acima do peso”, diz Sousa. “Ora, o retorno do conteúdo gástrico
agride a mucosa do nariz e dos brônquios, estimulando o problema”, explica. Não
dá para descartar também a possibilidade de o refluxo colaborar para outros
distúrbios do sistema respiratório, principalmente entre crianças gordinhas.
Você já deve imaginar o que é indispensável para ganhar mais fôlego e ainda
soprar para longe os sintomas e as consequências de um problema respiratório
apoiado pelo excesso de peso. Sim, é a tão receitada atividade física regular,
realizada de preferência com a orientação e o acompanhamento de um professor e
em um ambiente mais úmido e sem tanta poluição. Ela é decisiva para eliminar os
quilos extras e todas as desordens atreladas a eles. Por isso, proporcionam
qualidade de vida aos portadores de asma, bronquite e até mesmo DPOC, mal
causado por anos de tabagismo.
“A perda de peso reduz os hormônios de
ação inflamatória liberados pelas células gordurosas e promove uma melhora na
função pulmonar”, explica o pediatra José Dirceu Ribeiro, da Universidade
Estadual de Campinas, no interior paulista. O médico comanda uma linha de
pesquisa que investiga o elo entre obesidade e asma, o distúrbio respiratório
mais afetado pela gordura de sobra. Em um trabalho finalista do último Prêmio
SAÚDE, sua equipe já havia demonstrado os efeitos da natação no controle da
encrenca em crianças. “Com exercício e emagrecimento, é possível diminuir até as
doses dos remédios para o problema”, diz Ribeiro. Ele e seus colegas estão de
olho agora em novas provas do poder terapêutico da atividade física sobre as
vias aéreas. É a ciência justificando aquele velho conselho de estimular a
prática de um esporte desde cedo para ajudar a criar um planeta menos gordo e
que respire melhor.
O peso na alergia
O
acúmulo de gordura no corpo interfere na regulação do sistema imunológico,
especialmente se o ganho de peso começou lá na infância. “A prevalência de
indivíduos atópicos, aqueles com alta sensibilidade a substâncias que disparam
reações alérgicas, é de entre 6 e 10% na população geral”, conta o
epidemiologista Clóvis de Sousa. “Mas, entre os obesos, esse número pula para 20
e 25%.” Não à toa, eles sofrem mais com transtornos de fundo alérgico, como
asma, rinite e bronquite.
Alvo fácil da gripe
Já reparou que os obesos estão no grupo de prioridade para a
vacinação contra o vírus influenza, o causador da gripe? Essa medida não é à
toa. “O excesso de peso prejudica a imunidade, principalmente a produção de
anticorpos contra o vírus”, explica Nancy Bellei, médica consultora da Sociedade
Paulista de Infectologia. A vacina é crucial, portanto, para levantar as defesas
mais debilitadas.
Pulmões sob pressão
Por que a barriga atrapalha a função deles e predispõe a
doenças respiratórias
1- A gordura abdominal excessiva
promove uma reforma nada bem-vinda à região da caixa torácica. Ela eleva o
diafragma e pressiona a base dos pulmões, que fica hipoventilada, ou seja, menos
abastecida de ar. Esse abalo na função pulmonar diminui o fôlego e prejudica a
reação diante de eventuais infecções, o que facilitaria pneumonias.
2- O tecido adiposo da barriga ainda libera substâncias
inflamatórias que, trafegando pela circulação, podem ancorar nos pulmões,
estimulando processos inflamatórios já existentes — como os que ocorrem na asma
e na bronquite. As crises de falta de ar tornam-se, então, muito mais graves e
frequentes.
Os emagrecedores e a hipertensão pulmonar
Havia uma história de que os remédios que inibem o apetite
poderiam provocar essa doença rara, porém altamente letal, marcada pelo aumento
da pressão dentro dos vasos dos pulmões. O que há de verdade nisso? “De fato,
temos relatos de medicamentos dessa classe ligados ao problema, mas eles já
foram retirados do mercado”, conta o pneumologista Rogério de Souza, do
Instituto do Coração de São Paulo. “As novas drogas, porém, não mostraram
oferecer esse risco”, diz. Ainda assim vale o recado: nada de se
automedicar.
Referência: Diogo Sponchiato